Um trabalho publicado no Planetary Science Journal esclarece por que Europa, uma das principais luas de Júpiter, exibe concentrações incomuns de peróxido de hidrogênio (H2O2) em sua superfície gelada. A investigação indica que até pequenas quantidades de dióxido de carbono (CO2) impulsionam a formação do oxidante, principalmente nas porções mais quentes do satélite.
Descoberta contraria hipóteses anteriores
Estudos anteriores sugeriam que as maiores reservas de H2O2 estariam nos setores mais frios de Europa, onde a radiação degrada o gelo com mais facilidade. Entretanto, observações recentes do Telescópio Espacial James Webb mostraram o oposto: as áreas relativamente quentes reúnem os índices mais elevados do composto.
A nova análise comparou mapas de temperatura da superfície com medições de composição obtidas por espectroscopia infravermelha. A sobreposição dos dados confirmou que as zonas com maior emissão térmica coincidem com os picos de peróxido e, simultaneamente, apresentam teores acima da média de CO2.
Diante da correlação, a equipe liderada por cientistas do Southwest Research Institute questionou se o gás poderia facilitar processos químicos que elevam a produção de H2O2. Para verificar a hipótese, os especialistas reproduziram as condições de Europa em laboratório.
Experimento em câmara de vácuo fornece evidências
Os pesquisadores prepararam amostras de gelo d’água dopadas com diferentes proporções de CO2 dentro de uma câmara de vácuo criogênica, projetada para simular temperaturas e pressões similares às da lua joviana. Em seguida, as amostras foram bombardeadas com elétrons de alta energia, reproduzindo a radiação que atinge a superfície real.
Durante o experimento, sensores ópticos monitoraram as variações químicas no gelo. Os resultados revelaram que a presença de CO2, mesmo em concentrações mínimas, multiplicou a produção de peróxido de hidrogênio. O gás captura elétrons gerados pela radiação, evitando que o H2O2 recém-formado se quebre em reações subsequentes.
Quando a quantidade de CO2 foi reduzida a níveis ainda menores do que os medidos em Europa, a síntese de peróxido continuou acima do esperado. Isso sugere que o papel catalítico do dióxido de carbono é eficiente mesmo em traços diminutos, bastando para alterar significativamente o balanço químico da superfície.
Além de explicar o enigma de distribuição do H2O2, o teste confirma que terrenos classificáveis como “caóticos”, devido ao calor interno e à atividade geológica, fornecem um ambiente mais favorável à formação do oxidante. Nessas regiões, fissuras e canais podem concentrar tanto gelo quanto CO2, intensificando a reação radiolítica.
Implicações para outros mundos gelados
A equipe ressalta que entender a geração de peróxido em Europa ajuda a caracterizar processos semelhantes em outros corpos cobertos de gelo. A mesma interação entre CO2 e radiação pode ocorrer em Caronte, lua de Plutão, ou em certas camadas de Encelado, satélite de Saturno, onde gelo misturado a voláteis está exposto à magnetosfera planetária.
Compreender a química superficial desses objetos é crucial para missões futuras, pois compostos oxidantes influenciam o potencial de habitabilidade dos oceanos subterrâneos. O H2O2 pode atuar como fonte de energia química para reações biológicas, caso entre em contato com água líquida abaixo da crosta.
Os autores recomendam que sondas planejadas, como a Europa Clipper da NASA, incorporem instrumentos capazes de distinguir dissociações químicas induzidas por CO2. Medidas in situ poderão verificar se a relação observada em laboratório se repete em escala global e determinar como variações de temperatura controlam a distribuição do oxidante.
Embora os dados de James Webb tenham sido decisivos para direcionar o estudo, observações adicionais em outros comprimentos de onda serão necessárias para refinar os mapas de CO2. Espectrômetros de alta resolução a bordo de orbitadores poderiam identificar variações sazonais ou pontuais, fornecendo um quadro dinâmico da atividade química em Europa.
O novo entendimento encerra um debate de anos sobre a localização do peróxido de hidrogênio na lua joviana e oferece um modelo que conecta temperatura, radiação e composição de superfície. A explicação melhora a previsão de ambientes químicos em todo o Sistema Solar externo, orientando estratégias de exploração e análise de dados observacionais.