Uma nuvem de gás e poeira com aproximadamente 200 anos-luz de comprimento foi identificada no coração da Via Láctea, região ainda pouco mapeada pelos astrônomos. A estrutura, chamada de Nuvem do Ponto Médio, foi localizada com o Telescópio Green Bank, nos Estados Unidos, e descrita em artigo publicado em 16 de julho no The Astrophysical Journal.
O estudo foi conduzido pelo Observatório Nacional de Radioastronomia (NRAO). Os cientistas classificam a recém-detectada como uma Nuvem Molecular Gigante (GMC), ambiente que costuma servir de berçário para estrelas e planetas. Embora formações desse tipo sejam comuns na galáxia, esta permaneceu oculta até ser observada em ondas de rádio.
Descoberta e características
A equipe determinou tamanho, massa e densidade do objeto para confirmar sua natureza molecular. A análise mostrou grande concentração de gás frio e poeira, condições que favorecem o colapso gravitacional responsável pelo nascimento de novos corpos celestes. Foram identificadas faixas de material denso que atravessam toda a extensão da nuvem.
Normalmente, nuvens moleculares revelam-se pelo brilho do monóxido de carbono, cuja emissão é captada em frequências de rádio e infravermelho. No caso da Nuvem do Ponto Médio, a assinatura do gás não havia sido registrada em levantamentos anteriores, o que explica o longo tempo em que a estrutura passou despercebida.
Os pesquisadores localizaram ainda uma fonte concentrada de radiação, possivelmente um maser — emissor natural de micro-ondas — indicador frequente de formação estelar. A presença desse sinal reforça a hipótese de que processos de nascimento de estrelas possam estar em curso dentro da nuvem, embora a confirmação exija observações adicionais.
Importância para a astronomia
A descoberta oferece oportunidade singular para investigar como o material do disco galáctico migra em direção ao núcleo da Via Láctea. As “faixas de poeira” funcionam como rotas de transporte de gás, alimentando o centro galáctico com matéria fresca. Compreender esse fluxo é fundamental para modelar a evolução dinâmica da região central, onde as condições são mais extremas.
Segundo a equipe, a Nuvem do Ponto Médio representa um estágio de transição: o momento em que o gás deixa o ambiente relativamente calmo do disco e adentra o meio turbulento próximo ao buraco negro supermassivo situado no centro. Estudar essa fase inicial permite avaliar como temperatura, densidade e turbulência se alteram antes de o material ser incorporado ao núcleo.
Fluxo de matéria rumo ao núcleo galáctico
Observações detalhadas revelaram que as correntes de poeira dentro da GMC seguem trajetórias direcionadas ao centro da galáxia, sugerindo papel ativo na alimentação do núcleo. Essas “correntes ocultas” podem influenciar a taxa de formação estelar e a acumulação de massa ao redor do buraco negro central.
Embora a existência de protoestrelas não esteja confirmada, a intensidade do potencial maser na nuvem faz dela candidata prioritária para estudos futuros com instrumentos de maior resolução, como interferômetros milimétricos. A detecção de jovens estrelas esclareceria como a pressão e a radiação do centro galáctico regulam o nascimento estelar em ambientes extremos.
A equipe planeja medir com precisão a composição química e a temperatura do gás, parâmetros que ajudarão a definir a cronologia da nuvem. Resultados adicionais poderão revelar se a Nuvem do Ponto Médio é um fenômeno isolado ou parte de uma rede maior de estruturas similares, ainda não catalogadas, nas proximidades do núcleo.
Com cerca de 200 anos-luz de extensão, localização privilegiada e abundância de matéria, a Nuvem do Ponto Médio já se tornou peça-chave para entender a interação entre disco e centro galáctico. As próximas campanhas de observação deverão aprofundar o conhecimento sobre a origem do gás, sua evolução e o impacto na atividade estelar da Via Láctea.