Uma tempestade ocorrida em fevereiro de 2024 expôs, na remota ilha de Sanday, norte da Escócia, restos de madeira que pertencem a um navio naufragado há aproximadamente 250 anos. O achado mobilizou moradores, arqueólogos e historiadores e levou à identificação provável do antigo HMS Hind, rebatizado como Earl of Chatham.
Com pouco mais de 500 habitantes, Sanday possui forte ligação com o mar e registra cerca de 270 naufrágios desde o século XV. A retirada natural de camadas de areia revelou partes do casco, permitindo que a comunidade alertasse especialistas e iniciasse o trabalho de campo imediatamente.
Tempestade trouxe à tona as estruturas
Os ventos fortes e a força das ondas deslocaram depósitos sedimentares que há décadas encobriam as tábuas de carvalho. Assim que os fragmentos surgiram, moradores fotografaram e mediram as peças, gerando a primeira documentação visual do naufrágio recém-exposto.
Equipes de Wessex Archaeology e do Conselho das Ilhas Órcades deslocaram-se até a praia para registrar posição, comprimento e condições das madeiras. Ao mesmo tempo, voluntários estabeleceram barreiras provisórias para proteger o sítio contra novas marés até que fosse possível remover os destroços de maneira segura.
Análise dendrocronológica e identificação
A avaliação científica baseou-se na dendrocronologia, técnica que compara os anéis de crescimento dos troncos. Amostras confirmaram que o carvalho foi cortado no sul e sudoeste da Inglaterra, com a árvore mais antiga derrubada na primavera de 1748, período condizente com construções navais britânicas do século XVIII.
Com esses dados, pesquisadores realizaram um processo de exclusão em arquivos navais, eliminando embarcações nórdicas ou estruturalmente incompatíveis. O cruzamento entre origem da madeira, dimensões do casco e registros de perda de navios na área levou ao Earl of Chatham como única correspondência plausível.
Histórico do navio
Construído em 1749 para a Marinha Real britânica, o HMS Hind participou de batalhas da Guerra dos Sete Anos, incluindo os cercos de Louisbourg e Quebec. Posteriormente, atuou como escolta de comboios durante conflitos entre o Reino Unido e as colônias americanas, tarefa comum para fragatas do período.
Vendido em 1784 ao setor privado, o navio foi renomeado Earl of Chatham e passou a operar na caça às baleias no Ártico, atividade lucrativa durante a Revolução Industrial devido à demanda por óleo. Em 1788, uma tempestade atingiu a embarcação nas proximidades de Sanday, provocando o naufrágio.
Relatos históricos indicam que os 56 tripulantes conseguiram alcançar a costa com vida, fato raro para naufrágios do século XVIII. Mesmo assim, o casco afundou e permaneceu enterrado por duas séculos e meio, até ser exposto pelas condições climáticas atuais.
Mobilização comunitária e preservação
A resposta da população local foi decisiva para salvar os destroços. Utilizando tratores e reboques, voluntários transportaram cerca de 12 toneladas de madeira da praia até o Sanday Heritage Centre, onde as peças agora descansam em tanques de água doce para evitar ressecamento.
O projeto tem servido de exemplo de colaboração entre residentes, autoridades e cientistas. Pesquisadores destacam que a participação popular acelerou tanto a retirada do material quanto a garantia de um futuro espaço de exibição permanente na ilha.
Arqueólogos avaliam métodos de conservação de longo prazo e planejam reconstruir virtualmente o navio, usando modelagem 3D para ilustrar sua configuração original. A iniciativa deve gerar material educativo sobre a história naval britânica e sobre os riscos da navegação no Atlântico Norte no século XVIII.
A descoberta reacendeu o interesse da comunidade pela própria herança marítima. Especialistas observam ainda que mudanças climáticas, associadas a alterações no regime de ventos e na erosão costeira, podem revelar outros sítios submersos ou soterrados no Reino Unido, exigindo vigilância contínua.