Uma estrela gigante conseguiu sobreviver duas vezes à aproximação de um buraco negro supermassivo e deu aos astrônomos a primeira prova observacional de rupturas estelares parciais repetidas.
O fenômeno, identificado como AT 2022dbl, foi descrito na revista Astrophysical Journal Letters por pesquisadores da Universidade de Tel Aviv e da Universidade de Lancaster.
Primeiro e segundo clarões separados por 700 dias
Os cientistas detectaram um brilho intenso em 2020, seguido por um clarão quase idêntico 700 dias depois. A duplicidade sugeriu que o mesmo astro foi “mordido” em duas ocasiões pelo buraco negro localizado no centro de uma galáxia distante.
A equivalência entre as emissões luminosas indica que a estrela não foi totalmente destruída na primeira passagem, escapando com parte de sua massa para, posteriormente, retornar à região de alta gravidade.
Essa sequência é inédita entre os chamados eventos de ruptura de maré, ou TDEs, nos quais um buraco negro rasga e consome estrelas que entram em seu alcance gravitacional.
Rupturas de maré e o processo de espaguetificação
Buracos negros supermassivos, que podem conter milhões ou bilhões de massas solares, exercem forças de maré extremas sobre objetos próximos. Quando uma estrela cruza o limite crítico, é simultaneamente comprimida em um eixo e esticada no outro, processo conhecido como espaguetificação.
Parte do material estelar espiraliza em torno do buraco negro, gerando atrito, aquecimento e emissão de luz; o restante é lançado para o espaço. Normalmente, essa explosão luminosa dura semanas ou meses e marca a morte completa do astro.
No entanto, alguns TDEs observados na última década exibiram temperaturas e brilhos menores do que o modelo padrão prevê, levantando a possibilidade de interrupções apenas parciais.
Evidência de interrupção parcial confirma hipóteses
O duplo flash de AT 2022dbl reforça essa hipótese ao mostrar que uma estrela pode perder massa em etapas sucessivas. A descoberta sugere que certos buracos negros “degustam” suas vítimas gradualmente, em vez de devorá-las de uma vez.
Para chegar a essa conclusão, a equipe analisou curvas de luz captadas por telescópios ópticos, comparou a energia emitida nas duas explosões e verificou correspondência nos perfis espectrais, o que aponta para a mesma origem física.
Segundo os autores, essa é a primeira vez que se obtém evidência direta de uma estrela sobrevivendo a um TDE e retornando para um segundo confronto.
Próximo teste ocorrerá em 2026
Se a teoria estiver correta, o objeto estelar deve realizar nova passagem pelo buraco negro cerca de 700 dias após o último encontro, o que situaria um possível terceiro clarão no início de 2026.
Um novo pico luminoso comprovaria a existência de três rupturas parciais consecutivas, modificando a forma como astrônomos classificam TDEs e calculam a taxa de alimentação de buracos negros centrais.
Por outro lado, a ausência de uma terceira explosão indicaria que o segundo evento foi fatal, mas ainda apoiaria a ideia de que explosões provenientes de interrupções completas e parciais podem ter assinaturas muito parecidas.
Independentemente do resultado, os dados futuros forçarão a revisão dos modelos teóricos usados para converter brilho observado em massa consumida e para estimar a estrutura interna das estrelas envolvidas.
Impacto nos estudos de galáxias e buracos negros
Buracos negros supermassivos habitam praticamente todas as grandes galáxias conhecidas. Entender como se alimentam é essencial para explicar a evolução dos núcleos galácticos, a emissão de radiação em diferentes comprimentos de onda e a influência no meio interestelar.
Eventos repetidos como AT 2022dbl fornecem laboratório natural para medir com precisão a massa do buraco negro, a órbita da estrela sobrevivente e a distribuição de energia ao longo do processo de acreção.
Com observatórios ópticos, de raios X e de ondas gravitacionais cada vez mais sensíveis, pesquisadores esperam catalogar outros casos de rupturas parciais, verificando se elas são comuns ou se representam exceções raras.
Até lá, a comunidade astronômica aguarda o possível terceiro clarão que confirmará se a estrela continua a desafiar o buraco negro — ou se a batalha cósmica chegou ao fim no segundo round.