Relatos de comportamentos incomuns em animais antes de terremotos, tsunamis e erupções reacendem o debate sobre a capacidade de algumas espécies de detectar sinais ambientais que antecedem grandes catástrofes.
Embora a maioria das evidências seja anedótica, equipes de pesquisa em vários países analisam esses episódios para entender se há, de fato, um mecanismo sensorial que permita prever desastres com antecedência.
Relatos atravessam séculos e continentes
O Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS) cita um registro de 373 a.C., na Grécia, no qual animais teriam abandonado a região dias antes de um forte terremoto.
Casos semelhantes aparecem em crônicas medievais asiáticas, em diários de exploradores europeus e, recentemente, em depoimentos de moradores de áreas sujeitas a eventos sísmicos ou vulcânicos.
Um episódio marcante ocorreu em 26 de dezembro de 2004, quando o tsunami no Oceano Índico causou devastação na Indonésia, Tailândia, Sri Lanka e em outros países.
Testemunhas relataram que peixes deixaram áreas rasas, aves se afastaram da costa e elefantes se agitaram ou correram para pontos elevados horas antes da chegada das ondas.
Sensibilidade às ondas sísmicas
Segundo o USGS, muitos animais conseguem perceber as chamadas ondas P, que são as primeiras vibrações geradas por um terremoto e se deslocam rapidamente pelo solo.
Essas ondas de compressão produzem tremores leves, mas precedem as ondas S, mais lentas e responsáveis pelos danos mais severos, por alguns segundos a minutos.
A diferença no tempo de chegada seria suficiente para que diversos vertebrados e invertebrados reajam instintivamente, adotando comportamentos de fuga ou agitação antes que os efeitos mais fortes se manifestem.
O geobiólogo Joseph L. Kirschvink, em artigo publicado no Bulletin of the Seismological Society of America em 2000, argumenta que essa resposta rápida pode ter sido favorecida pela seleção natural ao longo de milhões de anos.
Para o pesquisador, indivíduos que escapavam dos eventos extremos tinham maior chance de sobreviver e transmitir seus genes, fixando o reflexo na população.
Hipóteses sobre campos magnéticos
Kirschvink também sugere que algumas espécies detectam alterações sutis no campo magnético terrestre por meio de cristais minúsculos de magnetita presentes em seus organismos.
Esses cristais, organizados em cadeias microscópicas, já foram encontrados em abelhas, peixes e aves, funcionando como sensores naturais que enviam informações ao sistema nervoso.
Mudanças no campo magnético poderiam ocorrer pouco antes de terremotos ou erupções, auxiliando animais a reconhecer o perigo mesmo sem vibrações perceptíveis para os humanos.
Apesar dessa hipótese, a variação magnética associada a abalos sísmicos ainda não foi comprovada de forma consistente, e estudos de larga escala continuam em andamento.
Desafios para a confirmação científica
Os pesquisadores enfrentam dificuldades metodológicas ao tentar relacionar comportamentos animais a eventos naturais, pois nem sempre há registros simultâneos que permitam análise estatística robusta.
A observação direta, muitas vezes baseada em testemunhos, pode ser influenciada por memória seletiva ou pela falta de monitoramento contínuo dos animais no período anterior ao desastre.
Equipamentos como coleiras com GPS, sensores de movimento e câmeras vêm sendo testados para coletar dados em tempo real, mas a cobertura ainda é limitada e dependente de financiamento.
Até o momento, a USGS afirma não existir sinal ambiental confiável que permita prever terremotos com antecedência suficiente para emitir alertas baseados apenas no comportamento animal.
Mesmo assim, estudos prosseguem em centros acadêmicos nos Estados Unidos, Japão, China e Europa, onde equipes interdisciplinares comparam informações sísmicas, magnéticas e etológicas.
Os cientistas esperam que um conjunto maior de dados ajude a esclarecer se as reações observadas são coincidências, respostas genéricas ao estresse ambiental ou indicadores genuínos de catástrofes iminentes.
Enquanto não se alcança consenso, episódios históricos e relatos atuais continuam motivando pesquisas que buscam compreender os limites e as possibilidades da sensibilidade animal diante dos fenômenos naturais.