Um levantamento publicado na revista Evolution concluiu que pelo menos 12 linhagens de mamíferos passaram a se alimentar exclusivamente de formigas e cupins desde a extinção dos dinossauros, há 66 milhões de anos. O padrão representa um dos maiores exemplos conhecidos de convergência evolutiva entre vertebrados.
Especialização alimentar identificada em 12 linhagens
Para chegar ao resultado, pesquisadores analisaram informações de cerca de 4 000 espécies de mamíferos. A equipe reuniu quase um século de registros de história natural, relatórios de conservação, descrições taxonômicas e dados de dieta.
Esses materiais foram organizados em uma árvore genealógica que permitiu rastrear quando cada grupo passou a adotar a mirmecofagia, termo usado para a dieta baseada em formigas. O método indicou 12 origens independentes desse hábito alimentar.
Entre os grupos identificados estão pangolins, tamanduás e equidnas, que exibem adaptações semelhantes, como línguas extensíveis e ausência de dentes funcionais. Essas semelhanças surgiram em linhas evolutivas distantes, reforçando o caráter convergente do processo.
Embora eficaz, a estratégia raramente resulta em diversificação. Oito das 12 linhagens mirmecófagas atuais são representadas por apenas uma espécie, apontando para possíveis limitações em longo prazo.
Proliferação de formigas ampliou oportunidades de nicho
O estudo também avaliou a história evolutiva dos próprios insetos. Estimativas sugerem que, no Cretáceo, as formigas compunham menos de 1 % dos insetos terrestres. Durante o Mioceno, há cerca de 23 milhões de anos, essa participação saltou para 35 %.
Hoje, calcula-se que existam aproximadamente 20 quadrilhões de formigas no planeta. Somadas, elas alcançariam 12 megatoneladas de carbono, superando a biomassa de todas as aves e demais animais selvagens juntos.
A abundância atual se distribui de forma desigual: os insetos são mais numerosos em regiões tropicais e estão ausentes apenas na Antártida. Essa disponibilidade constante de presas teria favorecido múltiplas transições dietéticas entre mamíferos.
Phillip Barden, do Instituto de Tecnologia de Nova Jersey, afirma que a expansão das colônias de formigas desencadeou respostas evolutivas em diversos grupos, incluindo plantas, outros invertebrados e vertebrados.
Consequências evolutivas da mirmecofagia
Apesar do sucesso em termos de especialização, a pesquisa indica que linhar-se à mirmecofagia pode levar a um beco sem saída evolutivo. Uma vez adaptados, os animais raramente retornam a dietas generalistas ou geram grandes radiações de espécies.
Os autores destacam que características como dentição reduzida e aparelhos digestivos específicos tornam a reversão improvável. Ao mesmo tempo, essas adaptações conferem vantagem competitiva em ambientes onde formigas e cupins são abundantes.
O trabalho oferece uma base para estudos futuros sobre a evolução de dietas especializadas. Segundo os pesquisadores, compreender como mamíferos diferentes chegaram a soluções semelhantes ajuda a elucidar padrões amplos da história natural.
A equipe planeja agora investigar a cronologia precisa de cada transição e analisar se fatores climáticos influenciaram a emergência da mirmecofagia. As conclusões podem aprimorar estratégias de conservação, sobretudo para espécies pouco diversificadas.
O estudo reforça que interações entre linhagens distantes, separadas por mais de 500 milhões de anos de evolução, podem moldar trajetórias marcantes em períodos relativamente curtos. A especialização alimentar em formigas é um exemplo concreto desse processo contínuo de adaptação.