Um fóssil achado na região de La Venta, na Colômbia, indica que o temido “pássaro do terror” foi atacado por um gigantesco jacaré há aproximadamente 12 milhões de anos. Marcas de dentes preservadas num osso da perna da ave vinculam o ataque ao Purussaurus neivensis, um réptil que habitava os rios proto-amazônicos durante o Mioceno médio.
Descoberta de marcas de mordida
A peça analisada contém quatro perfurações alinhadas, compatíveis com a dentição de um crocodiliano de grande porte. Imagens em 3D mostraram ausência de cicatrização, demonstrando que o ferimento ocorreu pouco antes ou logo após a morte do animal, descartando qualquer hipótese de recuperação.
Com base no diâmetro, na profundidade e no espaçamento das perfurações, os pesquisadores atribuíram as lesões ao Purussaurus neivensis, cujos exemplares podiam superar cinco metros de comprimento, chegando, em alguns casos, a estimados dez metros.
Ainda que os fósseis de aves carnívoras sejam raros, o fragmento analisado estava suficientemente preservado para diferenciar entre arranhões pós-deposicionais e mordidas diretas, reforçando a conclusão de predação ou necrofagia por parte do jacaré gigante.
Características dos protagonistas
Integrante da família Phorusrhacidae, o “pássaro do terror” alcançava até três metros de altura e possuía um bico robusto, recurvado e pontiagudo, adaptado para rasgar carne. Incapaz de voar, mas dotado de longas pernas, o animal era considerado um corredor veloz e figurava no topo da cadeia alimentar terrestre da América do Sul pré-histórica.
O réptil responsável pelas marcas pertence ao gênero Purussaurus, grupo de crocodilianos gigantes que habitava ambientes fluviais. O formato semicircular dos dentes, combinado a uma força de mordida estimada em várias toneladas, fazia dele um predador dominante próximo a corpos d’água.
A coexistência dessas duas espécies ilustra um ecossistema complexo no qual diferentes superpredadores compartilham nichos complementares. Enquanto a ave caçava em terra firme, o jacaré controlava a zona aquática, criando áreas de sobreposição de risco, especialmente nas margens de rios e lagoas.
Impacto na compreensão paleoecológica
A escassez de fósseis de Phorusrhacidae sempre dificultou avaliar aspectos como densidade populacional e interações com outros carnívoros. O registro de mordida amplia esse conhecimento ao demonstrar que até predadores de ponta eram vulneráveis quando se aproximavam da água, alterando a dinâmica de “quebra de segurança” dentro do habitat Mioceno.
O achado também fornece pistas sobre a dieta do Purussaurus. Embora peixes e quelônios fossem presas prováveis, a evidência mostra que aves terrestres gigantes igualmente faziam parte do cardápio, seja por caça ativa ou aproveitamento de carcaças.
Segundo os paleontólogos, o ambiente de La Venta há 12 milhões de anos incluía extensas áreas alagadas, canais e várzeas cobertas por vegetação. Essas condições favoreciam encontros ocasionais entre aves corredoras e crocodilianos emboscados, criando um “paisagem do medo” semelhante à de savanas africanas atuais.
Além de esclarecer relações predador-presa, o estudo reforça a importância de técnicas de microtomografia e modelagem digital para analisar estruturas ósseas delicadas sem danificá-las. A precisão alcançada permite distinguir entre marcas deixadas por dentes, garras ou processos geológicos posteriores.
Para o registro fóssil colombiano, o caso adiciona um raro exemplo de interação biótica direta, servindo como evidência tangível de comportamento alimentar e pressões ecológicas na América do Sul do Mioceno. A descoberta, portanto, preenche lacunas sobre a convivência entre superpredadores terrestres e aquáticos num cenário de alta diversidade faunística.
Os autores apontam que novas escavações no deserto de Tatacoa e em formações semelhantes podem revelar outros ossos com lesões comparáveis, possibilitando quantificar a frequência desses eventos. Até lá, o fóssil de La Venta permanece como prova de que, mesmo com bico afiado e velocidade, o “pássaro do terror” não estava totalmente a salvo da mordida devastadora de um Purussaurus.