Um estudo da Universidade de Nottingham, no Reino Unido, identificou indícios de envelhecimento cerebral acelerado em adultos que viveram durante a pandemia de Covid-19, ainda que não tenham sido infectados pelo vírus. A pesquisa foi publicada na revista Nature Communications e utilizou exames de ressonância magnética aliados a técnicas de aprendizado de máquina para estimar a idade aparente do cérebro.
Os autores compararam imagens obtidas antes de 2020 com exames feitos após o início da crise sanitária. A diferença entre a idade cronológica dos participantes e a idade estimada do cérebro foi usada como indicador de envelhecimento acelerado. O resultado mostrou aumento significativo desse marcador no grupo avaliado depois do surgimento da Covid-19.
Metodologia do estudo
A investigação analisou dados do UK Biobank, um extenso banco de informações de saúde do Reino Unido. Foram incluídos quase mil adultos saudáveis que possuíam duas ressonâncias: uma realizada antes da pandemia e outra após o início das restrições sociais. Essa abordagem longitudinal permitiu observar mudanças individuais ao longo do tempo.
Para desenvolver o modelo preditivo, a equipe treinou algoritmos em mais de 15 mil exames de voluntários sem comorbidades. O sistema calculou a idade cerebral de cada pessoa e determinou a discrepância em relação à idade real, medida conhecida como brain age gap.
Os pesquisadores controlaram fatores como histórico médico, estilo de vida e características socioeconômicas. Dessa forma, isolaram o efeito de grandes eventos coletivos, especificamente o período de distanciamento social, incerteza econômica e alterações na rotina diária.
Principais resultados
De acordo com a análise, indivíduos examinados no pós-pandemia apresentaram idade cerebral média superior à dos participantes avaliados somente antes de 2020. O fenômeno foi mais pronunciado em pessoas mais velhas, homens e moradores de áreas com maior vulnerabilidade socioeconômica.
Mesmo entre voluntários que nunca testaram positivo para a Covid-19, foram detectados aumentos relevantes do brain age gap. Esse achado sugere que fatores indiretos — como isolamento, estresse e mudanças de hábitos — podem ter impacto mensurável na anatomia cerebral.
No subconjunto que contraiu o vírus entre as duas coletas de imagem, além do envelhecimento, foram registradas quedas em habilidades cognitivas, incluindo velocidade de processamento e flexibilidade mental. Nos não infectados, porém, não se observaram déficits cognitivos mensuráveis, apesar do avanço na idade aparente do cérebro.
Possibilidade de reversão
Os autores destacam que o processo de envelhecimento observado pode não ser permanente. Estudos anteriores indicam que a neuroplasticidade permite recuperação parcial de estruturas cerebrais após períodos de estresse. A equipe ressalta, contudo, que serão necessários acompanhamentos de longo prazo para confirmar se as alterações identificadas retornam aos níveis esperados com a normalização das rotinas sociais.
Para os pesquisadores, os resultados reforçam a influência do ambiente e de eventos coletivos extremos na saúde neurológica. Eles apontam que políticas públicas focadas em suporte social, combate à desigualdade e promoção de bem-estar mental podem mitigar efeitos semelhantes em crises futuras.
Embora não tenha havido sintomas clínicos nos participantes não infectados, o estudo chama atenção para potenciais riscos quando fatores psicossociais se prolongam. Os responsáveis pela pesquisa recomendam que profissionais de saúde monitorem não apenas pacientes que tiveram Covid-19, mas também pessoas expostas ao estresse prolongado decorrente da pandemia.
A análise da Universidade de Nottingham acrescenta evidências de que grandes eventos globais impactam a biologia humana. Segundo os autores, a combinação de acesso a dados anteriores à crise e tecnologia de imagem de alta resolução ofereceu uma oportunidade única de quantificar alterações cerebrais ligadas ao contexto social.
Os resultados poderão orientar futuras investigações sobre mecanismos de resiliência e intervenções para preservar a função cerebral em situações de estresse coletivo. Até lá, o envelhecimento cerebral acelerado observado permanece como um alerta sobre as consequências indiretas da pandemia na saúde pública.