No Brasil, acidentes com escorpiões cresceram de forma contínua e colocam autoridades em alerta. Em 2022, o Estado de São Paulo notificou 42.757 ocorrências, aumento de 22 % em relação a 2021. No ano seguinte, o país inteiro somou 200 mil registros, com o Sudeste respondendo por quase a metade dos casos.
Diante desse cenário, conhecer os inimigos naturais dos escorpiões ajuda a entender como o equilíbrio ecológico pode conter a praga, sobretudo em áreas urbanas onde o escorpião-amarelo (Tityus serrulatus) e o escorpião-marrom (Tityus bahiensis) se multiplicam rapidamente.
Predadores anfíbios e aves
Entre os anfíbios, o sapo-cururu ocupa papel de destaque. Espécie comum em jardins, quintais e margens de mata, ele caça à noite e inclui escorpiões jovens na dieta. Estudos do Instituto Butantan indicam preferência por indivíduos com até 5 cm, engolidos antes que consigam ferroar.
A resistência do sapo a toxinas, graças a proteínas plasmáticas, permite que continue ativo mesmo se picado. Por esse motivo, preservá-lo e evitar o uso indiscriminado de pesticidas em áreas verdes pode reduzir a presença de escorpiões e de insetos que lhes servem de alimento.
Nas aves, a coruja-buraqueira destaca-se como caçadora eficiente em campos, pastagens e terrenos baldios. Observações em regiões do Cerrado e da Caatinga mostram que escorpiões podem representar até 15 % do conteúdo das pelotas regurgitadas.
Com voo silencioso e visão noturna apurada, a coruja captura a presa pelas patas ou pela cauda, evitando o ferrão. Embora não seja imune ao veneno, a técnica de ataque minimiza riscos e mantém a ave ativa na regulação populacional dos artrópodes.
Artrópodes e mamíferos
Entre os próprios artrópodes, a lacraia-gigante (Scolopendra viridicornis) e a lacraia-vermelha (Scolopendra subspinipes) enfrentam escorpiões em embates noturnos. Dotadas de veneno potente e múltiplas patas, imobilizam presas menores, mas seu comportamento recluso e risco à saúde humana impedem recomendação como método de controle.
Nos mamíferos, o gambá surge como aliado relevante. Pesquisas apontam proteínas sanguíneas capazes de neutralizar toxinas de escorpiões e serpentes. Ativo durante a noite, o marsupial esmaga o escorpião com as patas antes de ingerir o animal, atacando desde filhotes até adultos.
Além de consumir o aracnídeo, o gambá reduz populações de baratas, principal fonte de alimento dos escorpiões. A orientação de especialistas é não eliminar esse mamífero e garantir corredores verdes ou abrigo em quintais, prática que favorece o controle biológico.
Lagartos, tamanduás e criação doméstica
O teiú, lagarto que alcança mais de um metro de comprimento, complementa a lista. Onívoro, explora entulhos, troncos e frestas, locais preferidos pelos escorpiões. A pele resistente e o metabolismo acelerado oferecem proteção contra picadas, permitindo que enfrente inclusive exemplares adultos de Tityus serrulatus.
Já o tamanduá-mirim, embora tenha dieta composta principalmente por formigas e cupins, inclui escorpiões quando os encontra ao revirar folhas secas ou troncos. Análises de conteúdo estomacal mostram participação inferior a 5 %, mas ainda assim contribuem para a redução local de presas.
Em áreas rurais, galinhas domésticas figuram entre os controladores mais eficazes. Ao ciscar o solo, bicam rapidamente escorpiões de todos os tamanhos e engolem a presa inteira. O ácido estomacal degrada as toxinas, tornando o risco quase nulo para a ave. Propriedades que mantêm aves soltas chegam a registrar queda de até 70 % nos relatos de aparecimento do aracnídeo.
Sapo-cururu, coruja-buraqueira, gambá, teiú, galinha e, em observações pontuais, tamanduá-mirim e lacraias formam a linha natural de defesa contra escorpiões no Brasil. A manutenção desses predadores, aliada à remoção de entulho, vedação de frestas e controle de baratas, compõe estratégia integrada para conter o avanço das picadas que sobrecarregam o sistema de saúde.
Especialistas ressaltam que nenhuma espécie, isoladamente, elimina infestações. Contudo, proteger a fauna local e reduzir abrigos artificiais são medidas complementares ao trabalho de equipes de zoonoses responsáveis pelo manejo químico e orientação à população.
Em caso de acidente, a recomendação permanece a mesma: lavar o local da picada, manter a vítima em repouso e procurar assistência médica imediata. O antiveneno ainda é a forma mais segura de tratamento, mas dificultar o acesso dos escorpiões e valorizar seus inimigos naturais ajuda a prevenir novos números recordes de ocorrências.